Dia desses me presentearam com
uma coisa que gosto muito: uma pergunta bem elaborada sobre o feminismo. Coisas
desmerecendo e tirando sarro do movimento – com argumentos sem sentido nenhum –
a gente acha aos montes, mas uma dúvida realmente bem firmada? Raro. Então fiquei
contente. É importante destacar duas coisas: 1) a pergunta pode parecer não se
encaixar totalmente no feminismo para algumas pessoas, mas acredite, se
encaixa; e 2) sou feminista e esse texto escrito abaixo teve colaboração de
todas as integrantes do FeF (todas feministas, obviamente), mas isso não quer
dizer que nossa opinião é soberana, que entendemos totalmente o movimento e
suas partições, que somos donas da verdade. O texto abaixo é apenas um consenso
das opiniões de todas e acho que em uma análise simplista e superficial da
questão, oferece uma resposta compreensível e aceitável. Isso não impede que
vocês comentem com a opinião de vocês. Todo e qualquer comentário educado é
muito bem vindo, independente do ponto de vista. Então, vamos lá.
A pergunta foi: "Se eu fico
com medo e me afasto ao ver um negro na rua isso é racismo e preconceito,
certo? Concordo, eu estou presumindo q a pessoa vai me causar mal pela cor da
pele. Mas se eu vejo um homem se aproximando e fico com medo e me afasto, isso
é visto como uma forma de defesa pra manter a minha própria segurança e esse
medo é visto como algo causado pelo machismo, certo? Também concordo, mas aí me
ocorreu, isso não é preconceito também? Eu estou presumindo que a pessoa vai me
causar mal pelo gênero."
Confesso que a um primeiro
momento isso me fez pensar. Na verdade, na minha cabeça eu tenho uma distinção
bem definida de porque os dois casos não são iguais, mas não conseguia colocar
isso em palavras. Falei disso com uma das meninas quando nos encontramos no dia
seguinte e depois levei nossa opinião pro nosso chat. Foi bem legal a maneira
que as meninas me ajudaram a esclarecer o que eu já tinha em mente. Abaixo
segue nossa resposta para esta pergunta, que eu espero consiga ajudar na
compreensão no problema.
A um primeiro momento, quando
você ler essa pergunta, você provavelmente vai pensar “sim, é um preconceito.
Um preconceito necessário, mas um preconceito.” Gostaria que você tentasse
entender porque nós consideramos que não é.
Vamos imaginar a primeira situação proposta: pense em um cara negro
andando na rua. Tenta imaginar que você é esse cara negro. Vem uma pessoa
branca e, ao notar a sua cor, atravessa a rua, meio apressada. Você – nosso
suposto cara negro – vai se sentir mal. Vai se sentir solitário, com raiva,
triste, julgado. Há um sentimento de
impotência neste homem negro, de que alguém acha que ele é um bandido
simplesmente porque ele é negro. Negros são os únicos bandidos? Não há assaltos
e assassinatos e sequestros orquestrados por brancos? Acho que todos sabem as
respostas para essas perguntas, então por
que só fogem de negros? Preconceito.
Agora, vamos pensar na outra
situação. É noite e tem um homem andando na rua. Novamente, você é esse homem.
Agora vem uma mulher e quando ela nota você andando na direção dela, ela
atravessa a rua, meio apressada. Você vai ficar triste que ela achou que você
poderia ataca-la? Que ela resolveu se prevenir e se afastar? Não. Você vai se
sentir mal por ela, por ela ter de se afastar de você, um cara “de bem”, pelo
risco de que você fosse aquele cara que vai fazer dela uma das 600 mil mulheres estupradas por ano no
Brasil. Homens são os responsáveis por 98,2%
dos estupros no Brasil, e isso se chegarmos a falar do estupro de fato, sem
considerarmos outros tipo de agressões que homens cometem com mulheres todos os
dias. Não há sensação de julgamento sobre o cara em um caso desses. Não é
preconceito, pois não á opressão com você. Há opressão com a mulher.
O negro é
tido como “bandido em potencial” por manipulação da mídia – e não me refiro a
TV de hoje em dia, me refiro a retratação dos negros em toda a história do país
– e por tudo que passaram. Por terem sido considerados sem alma pela igreja e
terem sido escravos e, como consequência desses atos, terem chegado ao século
XXI com menos direitos e liberdades que os brancos. Por serem vítimas.
O homem é
tido como “estuprador em potencial” por ser a maioria esmagadora em casos de
estupro. Por apresentar em situações sociais um domínio tido como “natural”
sobre a mulher. Por realmente cometer estupros e agressões. Por ser, realmente,
o agressor.
Podemos
mexer o quanto quisermos, negros fazem parte do lado oprimido e sua situação
hoje na sociedade é resultado da ação dos brancos quanto a eles em anos de
existência. OS homens fazem parte do lado opressor e sua situação hoje na
sociedade – que, só enfatizando, é uma situação privilegiada – é resultado de
suas próprias ações.
O mundo
provavelmente nunca vai deixar de tentar fazer com que “preconceito reverso”
exista. Cabe a você aceitar que isso não é possível e “sair da matrix”.