sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Esse tal de "preconceito reverso".

                Dia desses me presentearam com uma coisa que gosto muito: uma pergunta bem elaborada sobre o feminismo. Coisas desmerecendo e tirando sarro do movimento – com argumentos sem sentido nenhum – a gente acha aos montes, mas uma dúvida realmente bem firmada? Raro. Então fiquei contente. É importante destacar duas coisas: 1) a pergunta pode parecer não se encaixar totalmente no feminismo para algumas pessoas, mas acredite, se encaixa; e 2) sou feminista e esse texto escrito abaixo teve colaboração de todas as integrantes do FeF (todas feministas, obviamente), mas isso não quer dizer que nossa opinião é soberana, que entendemos totalmente o movimento e suas partições, que somos donas da verdade. O texto abaixo é apenas um consenso das opiniões de todas e acho que em uma análise simplista e superficial da questão, oferece uma resposta compreensível e aceitável. Isso não impede que vocês comentem com a opinião de vocês. Todo e qualquer comentário educado é muito bem vindo, independente do ponto de vista. Então, vamos lá.

                A pergunta foi: "Se eu fico com medo e me afasto ao ver um negro na rua isso é racismo e preconceito, certo? Concordo, eu estou presumindo q a pessoa vai me causar mal pela cor da pele. Mas se eu vejo um homem se aproximando e fico com medo e me afasto, isso é visto como uma forma de defesa pra manter a minha própria segurança e esse medo é visto como algo causado pelo machismo, certo? Também concordo, mas aí me ocorreu, isso não é preconceito também? Eu estou presumindo que a pessoa vai me causar mal pelo gênero."

                Confesso que a um primeiro momento isso me fez pensar. Na verdade, na minha cabeça eu tenho uma distinção bem definida de porque os dois casos não são iguais, mas não conseguia colocar isso em palavras. Falei disso com uma das meninas quando nos encontramos no dia seguinte e depois levei nossa opinião pro nosso chat. Foi bem legal a maneira que as meninas me ajudaram a esclarecer o que eu já tinha em mente. Abaixo segue nossa resposta para esta pergunta, que eu espero consiga ajudar na compreensão no problema.

                A um primeiro momento, quando você ler essa pergunta, você provavelmente vai pensar “sim, é um preconceito. Um preconceito necessário, mas um preconceito.” Gostaria que você tentasse entender porque nós consideramos que não é.  Vamos imaginar a primeira situação proposta: pense em um cara negro andando na rua. Tenta imaginar que você é esse cara negro. Vem uma pessoa branca e, ao notar a sua cor, atravessa a rua, meio apressada. Você – nosso suposto cara negro – vai se sentir mal. Vai se sentir solitário, com raiva, triste, julgado. Há um sentimento de impotência neste homem negro, de que alguém acha que ele é um bandido simplesmente porque ele é negro. Negros são os únicos bandidos? Não há assaltos e assassinatos e sequestros orquestrados por brancos? Acho que todos sabem as respostas para essas perguntas, então por que só fogem de negros? Preconceito.

                Agora, vamos pensar na outra situação. É noite e tem um homem andando na rua. Novamente, você é esse homem. Agora vem uma mulher e quando ela nota você andando na direção dela, ela atravessa a rua, meio apressada. Você vai ficar triste que ela achou que você poderia ataca-la? Que ela resolveu se prevenir e se afastar? Não. Você vai se sentir mal por ela, por ela ter de se afastar de você, um cara “de bem”, pelo risco de que você fosse aquele cara que vai fazer dela uma das 600 mil mulheres estupradas por ano no Brasil. Homens são os responsáveis por 98,2% dos estupros no Brasil, e isso se chegarmos a falar do estupro de fato, sem considerarmos outros tipo de agressões que homens cometem com mulheres todos os dias. Não há sensação de julgamento sobre o cara em um caso desses. Não é preconceito, pois não á opressão com você. Há opressão com a mulher.

                O negro é tido como “bandido em potencial” por manipulação da mídia – e não me refiro a TV de hoje em dia, me refiro a retratação dos negros em toda a história do país – e por tudo que passaram. Por terem sido considerados sem alma pela igreja e terem sido escravos e, como consequência desses atos, terem chegado ao século XXI com menos direitos e liberdades que os brancos. Por serem vítimas.

                O homem é tido como “estuprador em potencial” por ser a maioria esmagadora em casos de estupro. Por apresentar em situações sociais um domínio tido como “natural” sobre a mulher. Por realmente cometer estupros e agressões. Por ser, realmente, o agressor.

                Podemos mexer o quanto quisermos, negros fazem parte do lado oprimido e sua situação hoje na sociedade é resultado da ação dos brancos quanto a eles em anos de existência. OS homens fazem parte do lado opressor e sua situação hoje na sociedade – que, só enfatizando, é uma situação privilegiada – é resultado de suas próprias ações.


                O mundo provavelmente nunca vai deixar de tentar fazer com que “preconceito reverso” exista. Cabe a você aceitar que isso não é possível e “sair da matrix”.

8 comentários:

  1. Refuto os seus argumentos. Os estupros provocados por homens não são exclusivamente contra a mulher, são também realizados contra os próprios homens. Se formos analizar os estuprados dentro de prisões e os moços, meninos, que são abusados, inclusive por padres, formam um montante significativo frente aos casos de mulheres, além de não receberem nenhum tipo de amparo. A quantidade de homens com falsas acusações de estupro também não é pequena e eles têm a vida destruída, não possuem amparo. Em geral, homens são ridicularizados por denunciar um estupro, por isso, devem haver vários casos em que a denúncia não foi feita. Ao ser rejeitafo por uma mulher apenas pelo fato de eu ser homem, eu me sinto verdadeiramente ofendido, e eu realmente me importo com isso, sinto o amor e carinho que eu tenho pelo sexo feminino sendo desprezado por uma barreira. É interessante que se dê valor à determinação de um homem pelo carinho com as mulheres, pois isso é um pressuposto para a igualdede de gênero, homrns com carinho em vez de nojo pela mulher, mas eu vejo muito nojo sendo criado por esses movimentos, que mais que elucida esse preconceito reverso, não pode ser posto como causa diminuída. E a causa para o medo da mulher não é machismo, mas sexismo como um todo, pois não é inerente apenas ao homem, assim como é sexismo a causa do homem que é preso injustamente ou por sentença maior, do seu desgosto ao ouvir mulheres dizendo que homens não prestam ou são estupradores, despreso ao carinho que os homens sentem pela mulher, pelo afastamento das demonstrações de afeto e por várias outras coisas.

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    1. Convido-te também a ler esse texto: https://www.livingwell.org.au/information/unhelpful-myths-about-the-sexual-assault-and-rape-of-men/?lang=pt
      Procurei dados referentes ao estupro, mas o Brasil não realizou pesquisas muito aprofundadas. Achei esse site que registra 12087 estupros em 2011, bem distantes dos 600000, provavelmente porque apenas aborda os casos denunciados.
      Eu queria abrir teus olhos para algo que realmente acontece e é muitas vezes deixado de lado, está nesse vídeo, 00:58: https://www.youtube.com/watch?v=3fXVNGzp57A
      Apesar de o caso de estupro com homens no Brasil ficar um pouco distante de se equiparar com o das mulheres, ele também é grande e não deve ser desprezado. É possível que cerca de 100000 homens estejam sofrendo desse tipo de violência e eles não encontram a mesma assistência social que a mulher para se recuperarem, portanto são pessoas realmente desamparadas e muito esquecidas por todos e isso é um tipo de "segregação" que eles sofreriam. A conquista de direitos seria feita de maneira mais adequada se não envolvesse paixões ideológicas segregação nos movimentos de igualdade, dividindo o que deveria ser uma conquista humana. Grupos como feminismo e mais recentemente o masculinismo, reforçam estereótipos nocivos para a sociedade porque se embasam neles.

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    2. Ainda mais, o estupro é algo que ocorre com apenas cerca de 0,05% da população anualmente, então eu posso garantir que maioria dos homens e mulheres que passam nas ruas não estão envolvidos com esses tipos de coisas. O homem que provoca o estupro costuma ter as suas características pessoais e com certeza não faz isso apenas pelo fato de ser homem. Uma boa parte desses casos, que representam 0,05%, ocorrem com crianças ou dentro de casa, não poderia ser causado no ambiente de rua. Ter uma certa coragem ao lidar com um homem na rua iria me fazer revelar uma mulher de valor, que não julga o homem apenas por ser homem e dissocia a imagem do nosso gênero à imagem de estuprador. Eu posso assegurar que a maioria de nós não é estuprador e de que existem de fato abusos com autor feminino, eles porém, são descartados, e de que há muitos homens que são prejudicados por esse tipo de julgamento, não enfrentam algumas questões com igualdade, um dos casos é esse de que falas.

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    3. Oi, anônimo, obrigada por comentar! É bom ver que meus textos estão causando reflexão, mesmo que a opinião de vocês possa ser diferente da minha!

      Primeiro quero só esclarecer que esse texto foi escrito somente para responder a pergunta da minha amiga que citei no começo do texto. Não procurei me aprofundar em nenhum aspecto da cultura do estupro ou falar da importância de se amparar homens que sofrem abuso porque esta não era a ideia principal do texto. Penso, claro, em me aprofundar nisso em algum outro momento, então agradeço pelo texto, vídeo e estatísticas (não consegui ler/ver, mas farei o mais breve possível!)

      Não gostei muito do seu uso da palavra nojo porque eu não lembro de ter usado ela em nenhum momento e eu não acho que mulheres sintam nojo de homem. Para ser sincera, eu acabo sendo bem “inocente” nesse quesito de pessoa na rua: eu sempre assumo que todo mundo é “gente de bem” e é raro sentir medo de ser assaltada ou abusada. Mas a questão que quis levantar é: muitas mulheres passaram por traumas e trauma não é algo racional, infelizmente. Muitas vezes a gente sabe, racionalmente, que as chances do cara na rua te estuprar são pequenas. Mas se você já passou por isso alguma vez, a parte que comanda medo em você vai agir, mesmo que você não queira. Infelizmente pe inevitável. E fica difícil desassociar a imagem de estuprador a homem – mesmo que SIM, existam mulheres estupradoras e homens que são estuprados – quando, ao andar na rua, mulheres ouçam de homens “eu transaria até com a tua orelha”. Mulheres não falam isso pra estranhos na rua e homens não ouvem isso de estranhos na rua. A imagem perpetua.

      Isso quer dizer que todos os homens são estupradores? NÃO! Óbvio que não! Eu na verdade sempre tive como exemplos de homens caras muito legais: meu pai, meus avós, meus tios, todos eles são pessoas maravilhosas e quando se fala em homem, a primeira que penso é em como eles são incríveis. Mas eu já ouvi os maiores abusos na rua, um cara mais velho e já acariciou o pênis por fora da calça pra eu ver, etc, etc, etc, coisas que eu não associo com “mulheres também fazem” ou “homens também sofrem” porque não acontece.

      Estupro em prisões é algo horrível, mas a questão é que você, como homem, não sente medo de ser estuprado na rua. A mulher sente. E é algo completamente fora do nosso controle, a gente vê as estatísticas e lembra do que os caras gritam enquanto a gente passa e é incontrolável. Se você está andando e vê uma cobra, você não sabe se ela é venenosa. Chances são de que não – a maioria das cobras não tem veneno – mas você vai arriscar?

      Sobre o amparo dos homens abusados: SIM! Isso é um problema extremamente grave, muitos homens e mulheres não dão bola para homens abusados. Mas isso vem de uma cultura patriarcal que diz que homens devem ser fortes, logo eles não deveriam sofrer com isso. Há um tempo houve um caso de um menino de 15 anos que foi obrigado a ter relações sexuais por uma menina de 20. Ele fez uma acusação de estupro. A reação dos homens ao ler a notícia? “Que moleque besta, por que não aproveitou?”. A reação das feministas? “A gente precisa arrumar justiça pra esse menino”. A gente precisa SIM passar a amparar mais os homens vítimas de estupro, mas enquanto a sociedade não mudar de pensamento, isso não vai ocorrer.

      Agradeço seus comentários e agradeço mais ainda você ter sido educado e tentar me mostar seu ponto de vista ao invés de me xingar. Vou ler o texto que você mandou e ver o vídeo, e quem sabe não surja outro texto mais aprofundado sobre esse assunto.

      (desculpe a resposta enorme, não sei falar pouco rs)

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  2. Olá, Naty! Você foi muito educada e gentil =) Esse é o ponto mais importante para mim.
    Vou te deixar mais um texto para você refletir sobre o quê escreveu.
    Não sei a sua opinião, mas eu acredito que seja uma crueldade que países da Europa e outros lugares do mundo não aceitem receber refugiados da Síria, que está em conflito.
    Sabemos que quase a totalidade dos casos que acontecem com homem-bomba são realizados por árabes. Veja que esse tipo de julgamento é um atestado para crueldade, pois é uma porção mínima dos muçulmanos os que praticam atentados ou que morrem como homens-bomba, quase a totalidade vive realmente em paz e temos exemplos de países prósperos com muçulmanos, como os Emirados Árabes, o Kweint e o Qatar, com altíssimos números no IDH. Os muçulmanos podem viver pacificamente, se você aponta o dedo para chamar um muçulmano de homem-bomba, mesmo que representem quase todos os casos, isso é, sim um julgamento e uma ofensa. Creio que concordes comigo, pelo que eu li, mas existem pessoas que não conseguem enxergar que os homens também têm seus problemas, que não são pequenos e também existem pessoas que desprezam os homens e a gentileza e gratidão entre mulheres e homens, muitas delas são solidárias a essas ideias como a do texto posto e tentam criar esquemas para justificar preconceitos. Ainda para deixar claro: o caso do Atentado da Maratona de Boston não foi realizado por um árabe muçulmano, mas eles receberam todo o crédito antes de descobrirem o verdadeiro autor. O Japão é um país muito restritivo quanto a muçulmanos, mas isso não impediu de que tivessem duas bombas explodidas dentro do país e realizou intervenção com os milhares de kamikasi que se explodiram na marinha dos EUA, além daqueles como o jornalista que foi morto pelo Estado Islâmico. Julgamentos prévios limitam a visão das pessoas e os direcionam. O mesmo ocorre quando alguém vei chamar algum alemão de nazista, eles eram quase toda a totalidade, quando a grande parte de neonazistas está fora da Alemanha, muitos redutos no Brasil e nos EUA e na mesma época, os italianos, espanhóis e portugueses seguiam com fascismo, franquismo e salazarismo. O Japão hoje em dia está muito mais inclusivo com os muçulmanos e eu vejo isso como um crescimento cultural, não impedem tanto como impediam as pessoas com essa origem. Enfim, eu não sou gay, mas eu me sinto simpático a causas LGBT, pois eu acho que ainda existe muito desprezo social com o amor dos gays, isso é uma das coisas que mostra também que eu não desprezo alguma parcela pelo fato de ela ser minoria e ser diferente dos meus interesses. Eu, inclusive, faço parte de uma minoria, pois eu não tenho religião específica e eu tenho planos para a minha vida diferente dos gerais. Eu dou uma grande importância à figura da mulher, então sempre fui muito dedicado a pensar nelas e a ser um bom companheiro, mas eu discordo que isso deva ser feito à maneira do feminismo, pois o movimento em si se esquece de coisas que eu considero essenciais.

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    1. Esse vídeo também traz vários absurdos graves que foram consequências de movimentos como feminismo, Simone Alvim, que decidiu fazer pesquisas mais voltadas a casos que ocorrem com homem já foi ridicularizada de várias formas. Mulheres e homens preconceituosos ganham força com o crescimento dessa ideologia, que acaba reforçando estereótipos, quando o homem é reforçado como opressor e privilegiado:
      https://www.youtube.com/watch?v=QWXyuYXiTbs

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    2. Talvez não seja o seu caso ou a sua intenção, mas o movimento feminista e seu ponto de partida, que não busca igualdade fundamentalmente por ambos os lados, por ambas as perspectivas, vem provocando várias barbeiragens. Eu sou daqueles que se definem como "humanistas", no sentido geralmente usado na internet para questões de gênero.

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    3. Oi de novo!

      Entendo o que você quis dizer com a generalização de "terrorismo" comparada a generalização de estupros, mas eu vejo uma linha tênue que separa estereótipos racistas de dados estatisticos. No mundo ideal nenhuma das coisas deveria ocorrer, independente do motivo, mas no mundo atual eu vejo justificativas diferentes, mesmo q extremamente semelhantes, para os dois acontecimentos.

      Mas na verdade eu só quero mesmo fechar essa discussão porque, apesar de certos pontos de discordancia, vejo que em boa parte a gente partilha da mesma opinião, a gente só nomeia e encara de maneira diferentes. Acredito ainda no termo e na luta feminista e não vejo da forma como reportou, mas se mesmo sendo contra o termo você acredita nos ideais q vc listou, então acho q somos mais aliados do q possamos pensar.

      Então vamos "concordar em discordar" e seguir com nossas lutas em paralelo, acredito que conseguiremos muito mais assim.

      Obrigada de novo por comentar e pelo material que você enviou!

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