segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Show de machismo na Folha SP

Para quem não sabe, Folha de São Paulo é um jornal, bem, de São Paulo. Assim como a maioria dos jornais - acredito eu - ele traz diversos cadernos com temas variados e tem de conseguir assuntos novos todos os dias mesmo para as seções que não são tão recheadas de novidades.

Não vou fingir que leio jornal. Não leio. Mas hoje eu tive o des(prazer) de espiar um jornal da Folha de um senhor que se sentou no banco em frente ao que eu estava no ônibus.

Gente. Que show de machismo.

Quando o senhor se sentou, ele estava em uma página que eu acredito serem classificados - não deu pra prestar muita atenção - e a seguinte era uma tal de Folha Mulher.

Eu poderia dizer várias coisas simples sobre a Folha Mulher. Poderia dizer que só o fato de haver um caderno chamado Folha Mulher já pode ser considerado machista, porque denota que jornal em si é coisa de homem. Mas eu não vou dizer isso pra você não me chamar de chata (mesmo sendo verdade - ambas as afirmações).

Eu poderia dizer que ela é rosa e isso também é ridículo. Mas eu vou fingir por um momento que x ser humanx que idealizou o caderno não pensou que rosa era de mulher, e sim que elx simplesmente gostava de rosa e pronto.

Agora, não da pra não falar do conteúdo. Porque no tempo que eu estava no ônibus eu vi três páginas apenas, e só consegui ler o título e a parte destacada da matéria que ficava à direita. Os títulos eram:

→ E quando ela ganha mais?
→ Sonhar ou casar?
→ Como retardar o envelhecimento?

É. Assim. Desse jeito, sem mudar uma vírgula.

E quando ela ganha mais?

Abaixo desse título tinha aquele trecho mais destacado que comentei. Do lado a foto de um casal heterossexual - não vou entrar no mérito da escolha do biotipo de nenhum dos dois - e em letras grandes algo no estilo "como administrar bem o seu dinheiro e aprender a conviver sem brigas quando ela ganha mais, salvando seu casamento".

Gente, eu acho super bacana que o jornal quer ajudar o povo a lidar melhor com as finanças. Super legal que quer ensinar o pessoal a não deixar o dinheiro interferir na qualidade do casamento. Mas eu fiquei com duas alternativas muito fortes na minha mente: ou o jornal acha que os homens que leem a revista são absolutamente pré-históricos e semi-pensantes apenas ao ponto de precisarem de dicas e um passo-a-passo sobre como agir caso a mulher ganhe mais, ou os homens realmente são assim e, gente, em que mundo a gente vive?

O feminismo prega isso diariamente, mas eu sinto que às vezes a falta de uma frase direta é o que impede as pessoas de entenderem, então eu vou tentar: homens e mulheres são dois subtipos de uma mesma espécie, formada pela mesma estrutura óssea e tirando alguns órgãos e hormônios, o resto é exatamente igual. Não há essa segregação de que homem tem de ganhar mais em nenhum lugar senão na cabeça das pessoas que foi moldada assim por anos e anos de ideologias que homens criaram. Humanos trabalham e humanos ganhar dinheiro e alguns humanos ganham mais dinheiro que outros. Ponto. Não tem porque ficar discutindo qual gênero ganha mais. E não vamos nem entrar na divisão de identidade sexual ou orientação. Um ser humano que não consegue entender que outro ser humano pode ganhar mais que ele - seja pelo cargo, local de trabalho ou qualidade do serviço, não interessa - não merece o direito de administrar seu próprio dinheiro e é só isso que tenho a dizer do assunto.

Sonhar ou casar?

Ah, chegamos! Sempre tem um momento no machismo em que a mídia vai expor que mulher nasceu pra casar e ser mãe e que ela só vai ser feliz assim, e que ter um carreira vem em segundo plano e, na verdade, normalmente atrapalha a vida de mãe e boa esposa que elas levam.

O texto destacado era pequeno e basicamente dizia "como decidir se você vai focar na sua carreira ou em ser mãe".

Ok. Primeiro que o a Folha está dizendo pra mim é: ou eu sonho, ou eu caso. Eu não posso casar e querer continuar meu sonho, e, cruzes se eu virar uma profissional de sucesso e quiser que um homem me aguente trabalhando fora! Que absurdo.

Cara pessoa que escreveu esse texto: machismo chega a ser elogio para o tamanho da sua burrice. Uma mulher pode querer casar, ser uma profissional e ainda ganhar uma maratona se ela quiser. Mãe que trabalha fora não é mãe de verdade/não liga pros filhos/não educa direito? Pois eu tenho a melhor mãe do mundo e ela sempre trabalhou fora. E meu pai sempre trabalhou fora e é um excelente pai. E acho que já citei isso, mas ambos são seres humanos logo devemos tratá-los igualmente, então se meu pai pode trabalhar fora e ser um bom pai, minha mãe pode trabalhar fora e ser uma boa mãe.

Obrigada pelas dicas, folha, mas eu vou focar nos dois e em mais quantas metas eu quiser.

Como retardar o envelhecimento?

Bem, pra fechar com chave de ouro - isso que eu nem vi as outras notícias, se é que tinha mais alguma coisa - dica de beleza. Claro. Afinal, como que uma mulher pode dormir em paz sem se preocupar em parecer mais jovem? É um fato inalterável que todo ser vivo envelhece, mas ah, mulher não pode aceitar o rumo da natureza não, tem que parecer jovem e bonita, porque senão qual a sua utilidade, em uma sociedade que o papel da mulher é ser bonita?

Não vi nada dessa notícia e na verdade não me interessa. Porque com essa notícia acho que a gente encerra os tipos mais clichês de assuntos machistas que uma mídia pode repassar e, parabéns folha, você conseguiu usar todos.

No dia que sair uma "folha homem" que seja azul - porque azul é cor de menino, de macho! - que ensine a retardar envelhecimento, que ajude a mulher a aceitar o fato de que o marido ganha mais e que diga pra ele ter uma boa carreira ou casar e ser dono de casa sendo um bom esposo, eu paro de dizer que a sociedade é machista.

Até lá, folha, você é muito machista.

4 comentários:

  1. Parabéns pelo texto :) Realmente, quando as pessoas dizem que machismo não existe e é frescura de feminazi, eu tenho vontade de subir pelas paredes. Mas acho que me dá mais vontade ainda de subir pelas paredes quando eu vejo esse tipo de coisa nas revistas, jornais, tv, etc. Não sei o que é pior... mas ver pessoas com pensamento tão sensato faz a gente ainda ter esperança no mundo.

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  2. Muito bom, Todinho \o/ Amei a análise e a argumentação. Aliás, vc conseguiu fazer algo em cima daquilo que falamos ontem: introdução, desenvolvimento e conclusão; Ótima estrutura. E sem contar que o assunto tá muito bem abordado. Continua fazendo mais artigos assim, e com essa paixão.

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  3. Adoro esse tipo de texto que analisa os estereótipos sa sociedade machista. Eu, por exemplo, sou casada, mas só quero ter filhos quando eu me realizar profissionalmente. E sou extremamente criticada por isso, ainda mais por ter passado dos 30 anos. Parece que mulher só foi criada pra ser reprodutora e não produtora. Parece que a única realização da mulher tem que ser como mãe, não profissional. Não pode ter uma conjunção alternativa em "sonhar OU casar". Pode e deve ser uma conjunção aditiva: "sonhar E casar"!

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  4. E, claro, parabéns pelo texto, Naty! Adoro seus textos e compartilhamentos no facebook sobre o assunto, pq penso exatamente igual!

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