quinta-feira, 14 de maio de 2015

Os "privilégios" de ser oprimida

Dia desses eu estava no facebook quando vejo um texto – feito aparentemente por uma mulher – sobre como o feminismo é uma falácia. Este texto faz duas coisas: a) levantar diversos pontos em que as mulheres possuem vantagens na sociedade e b) dizer que a mulher só é oprimida no oriente médio, que no ocidente essa desigualdade não existe.
Conforme eu lia o texto, uma mistura de raiva e tristeza me deixou meio sem palavras. Como sou do tipo que faço besteira quando fico de cabeça quente, eu salvei o texto na esperança que de que conseguisse me acalmar o bastante para explicar porque os “privilégios” ditos no texto não são tão privilégios assim, e mais, explicar um pouco sobre o que é desigualdade social (não somente no âmbito de gêneros).
Quem realmente quiser continuar lendo: boa sorte. Ficou enorme rsrs.

Primeiro quero só destacar que o feminismo não luta só pelas mulheres vizinhas. Não tem um raio de alcance feminista que só atinge as mulheres do nosso bairro. A gente luta pelas mulheres oprimidas em qualquer lugar pelo motivo que seja, mesmo que de maneira diferente a nossa. E se a pessoa reconhece que no oriente as mulheres são oprimidas, então ela está sendo totalmente controversa em dizer que o feminismo é uma falácia. Na visão dessa pessoa há mulheres sendo oprimida. E ela diz que o feminismo não é necessário porque mulheres não são oprimidas. Então... ?
Agora, quanto ao texto. Em um determinado momento no final dele a pessoa diz que é uma mentira que mulheres ganham menos e que isso nem faz sentido e etc. Ela não vai ser nem a primeira e nem a última pessoa a dizer isso. Mas essas pessoas, que normalmente são as mesmas que dizem que nunca veem provas para o que dizemos, não se importam em pesquisar. Há estudos e mais estudos, feitos no Brasil e afora, por especialistas de diversas áreas, homens e mulheres, que comprovam que isso é verdade. Eu poderia colocar diversos links, mas confio na capacidade de vocês em usar o google e encontrarem por si mesmos – em diversos idiomas – todas as pesquisas que apontam esta desigualdade. Contra fatos não há argumentos, e não há texto no facebook dizendo que isso é uma mentira que irão mudar a realidade.
Acho que chegou o momento de pegar a lista de “””””privilégios””””” que aparentemente nós mulheres temos e falar um pouco sobre cada um.
1- Você se aposenta 5 anos mais cedo que um homem.
Verdade. E talvez num futuro em que tenhamos atingido a igualdade que buscamos, valha a pena rever esta lei e igualar as idades.  Agora, há diversos pontos a serem considerados aqui. Primeiro que quem acha que aposentaria para classe média e baixa no Brasil é boa não pode realmente pertencer a classe média ou baixa. Segundo que a sociedade que vive em um regime patriarcal tem como modo de pensar que trabalho é acordar as seis, trabalhar das oito as cinco, e voltar pra casa. Como homens fazem. Como homens sempre fizeram. Ficar em casa, limpar, passar, lavar, varrer, cozinhar e cuidar de crianças não da trabalho. E essa tarefa foi delegada as mulheres. Um trabalho que não folga e não tem fim de semana. Não tem remuneração nem férias. A mulher lutou muito para ter espaço no mercado de trabalho – o texto sobre o trabalho de mulheres negras como empregadas (escravas) vem depois – e apesar da relutância, muito homem aceitou. É mais dinheiro em casa. Não pode ganhar mais que ele, claro, mas a mulher contribuindo e tendo dinheiro pras coisas dela? Ótimo. Mas ele pegar as tarefas domésticas... aí não, né. As contas a gente divide, mas manter a casa arrumada ainda é função da mulher. Então os dois levantam as seis, trabalham até as cinco (vou até ignorar a disparidade salarial e fingir que ambos ganham a mesma coisa) e quando chegam em casa, ele senta no sofá e ela vai fazer a janta. Enquanto o feijão cozinha ela coloca a roupa no varal ou esfrega alguma coisa. Depois do jantar se ele for bonzinho ele até lava a louça – ajuda na casa – e ela limpa a pia depois e guarda tudo. No final de semana tem sala pra varrer, banheiro pra lavar, roupa pra passar. Mas ele lava a louça, então ajuda muito. Se a vida for muito corrida e ela não conseguir arrumar tudo, oras, a gente pode contratar uma empregada. Mas ela que paga, porque cuidar da casa é obrigação dela, ela fazendo ou terceirizando. E aí ele trabalha cinco anos a mais, formalmente, e ele é privilegiado. Porque as dezesseis horas do dia não contabilizadas em carteira em que a mulher trabalha não contam. Ela trabalha a mais, mas ninguém vê. Ninguém liga. É obrigação dela.
Puta privilégio esse.
2- Você tem leis específicas que te protegem e não protegem o homem.
Por “leis” especifica eu vou entender que você quis dizer “lei” e se refere a Lei Maria da Penha. Se houverem outras, por favor me enviem, pois eu realmente não conheço e gostaria de conhecer. Agora, sobre a Maria da Penha. A lei foi criada, pois a quantidade de abusos domésticos que ocorrem com as mulheres é infinitamente maior que com os homens. Quantos casos só esse ano não ocorreram em que a mulher apanhou porque “não fez a comida que ele queria” ou “não lavou a louça”? Pesquisa, sério. Então, ok, a lei Maria da Penha está aí, pois as mulheres são a maioria esmagadora das vítimas nesses casos. Mas se isso ainda não te convence que esse “privilégio” não é necessário, só queria te lembrar que já houveram muitos homens que usaram da lei Maria da Penha por sofrerem abuso em casa. Sérião, é só jogar no google que você acha.
3- Você quando comete um crime, tem punição mais branda pelo simples fato de ser mulher.
... ok, vamos lá. Primeiro que isso não é verdade. Não há diminuição de pena para mulheres só por serem mulheres. Segundo que o sistema penal brasileiro já uma piada e ninguém precisa de pena reduzida. Mas enfim, pelo que me lembre há alguns casos em que a mulher pode sim ter a pena reduzida, mas isso depende de diversos fatores, são necessárias infinitas provas para se atender as condições exigidas e pode levar anos até isso ser atendido. Então... não.
4- Apesar do câncer de próstata matar tanto quanto o de mama, o governo investe 50 vezes mais para conscientizar e tratar mulheres.
Primeiro eu só quero dizer que eu acho sim que as campanhas para exames e tratamentos de câncer de próstata são defasadas e precisam aumentar. Porém, quero levantar também alguns dados. o câncer de próstata está altamente ligado a histórico familiar, sendo que mais da metade dos casos ocorrem em homens cujo pai ou avô também teve (e se sua mãe tem diabetes, você faz um exame, né?); enquanto nas mulheres nove a cada dez que descobrem ter câncer de mama não possui nenhum histórico na família, tornando impossível prever a probabilidade. Além disso, (e sim, vou entrar na questão racial), homens negros tem o dobro de chances de terem câncer de próstata do que homens brancos, e isso pode ser um dos motivos para menos campanhas de tratamento. E sabemos também que muitos dos casos de fatalidades por câncer de próstata ocorrem pois mais da metade dos homens se recusa a passar pelo exame.
5- Você não é obrigada a servir o exército, na hora que uma guerra acontecer, você vai ficar bonitinha em casa, sem fazer porra nenhuma, enquanto o homem vai estar guerreando por nós.
Primeiro: meu item número um já cobre o “sem fazer porra nenhuma” que está escrito aqui. Segundo: com o número tão grande de pessoas que usa o argumento do exército para desmerecer o feminismo, só me resta deduzir que vocês concordam que o exército deveria ser obrigatório (seja a todos ou não). E isso me preocupa, porque a questão aqui é que o exército não deveria ser obrigatório pra ninguém. Mas veja bem, cabe as mulheres clamarem por isso? Cabe a gente criar um movimento e ir as ruas pedir isso? Não. Porque o que ouviríamos é que não temos nada a ver com isso já que essa lei não nos atinge. E é verdade. Se os homens estão tão descontentes com esta situação – como realmente deveriam estar – cara, se unam e vão as ruas! Ninguém consegue nada sentado em casa reclamando que a mulher não tem que servir, mimimi. Esse pode até ser um privilégio das mulheres, por não terem que servir. Mas não é um opressão ao homem. Por quê? Porque essa lei foi feita e é cumprida por... HOMENS! Isso mesmo! Não são mulheres que obrigam os homens a servir, são eles mesmos. E isso se explica no fato de que mesmo que uma mulher queira servir ela enfrente muita dificuldade. Como que eles vão obrigar pessoas que eles nem querem que sirvam?
Ufa! Respondi os cinco argumentos. Mas ainda tem algumas coisas a serem ditas. No começo do texto a pessoa diz que as feministas geram uma segregação da sociedade em que mulheres são sempre vítimas e homens são sempre culpados. Aiai... Não, jovem, não é isso que o feminismo faz. Ninguém está dizendo que todos os homens são ruins ou que todas as mulheres são boas. Mas veja, por exemplo, casos de estupro. Como eu já mostrei em um texto antigo, mulheres são mais de 90% das vítimas de estupro. Isso quer dizer que homens não sofrem estupro? Lógico que não, porque eles sofrem. Mas, veja bem, na grande maioria dos casos quem estupra esses homens também? Acertou de novo: outros homens. Teve um caso nos EUA há uns meses em que um menino de quinze anos foi obrigado a ter relações sexuais por um mulher mais velha (não me recordo agora se era sua professora, família, etc). A notícia que saiu é que ela abusou dele (a palavra estupro não foi usada, se não me engano). A repercussão foi: homens dizendo pra ele “parar de ser frutinha” que ele teve sorte. Quem apoiou o abalo emocional que ele teve foram... as feministas. Então homens dizem o tempo todo que a gente se vitimiza, mas aí isso acontece com um homem e a reação deles é essa. Sexo e estupro estão tão naturalizados na cabeça deles que eles tratam como se fosse natural e desejável. (Eles = Os caras que comentaram).
Tenho certeza que vocês já viram a analogia, mas vale trazer de novo: eu te ofereço uma tigela de MMs. Você pode colocar a mão e pegar quantos quiser. E aí eu te digo cinco deles são envenenados. Você não sabe quais são. Você ainda vai meter a mão e arriscar?
É isso o que acontece quando uma mulher, digamos, atravessa a rua a noite se está sozinha e vê um homens atrás dela ou vindo em sua direção. Aquele homem em particular te causa uma ameaça? Não necessariamente. Nada nele indica que ele quer te atacar. Mas você não sabe. Não pode ter certeza.
E quanto a gente usar ferramentas desenvolvidas pelo “homem opressor capitalista” (como colocado pela autora do texto)... a) sim, muitas coisas foram criadas por homens, porque mulheres não eram permitidas, POR ESSES MESMOS HOMENS, a fazer nada que não fosse “função” de mulher como cuidar dos filhos (mais ou menos, já que né, empregadas (escravas) ou cuidar da aparência e das domésticas; e b) muitas das coisas que a sociedade diz que foram inventadas por homens, foram inventadas por mulheres. Procure qualquer historiador hoje e peça por estudos e livros que provem que muitas coisas foram inventadas por mulheres e roubadas por homens que clamaram terem as feito. Vide computadores e linguagens de programação, uma das ferramentas que a gente usa por militar e que não foram criadas por homens, apesar de clamarem o oposto.
Enfim. Amiga. Sinto muito, de verdade, que você esteja presa nessa bolha patriarcal. Que você provavelmente não use decote apesar de gostar por acreditar que pode estar pedindo. Que depile a perna mesmo tendo foliculite porque te fizeram acreditar que não depilar não é aceitável. Que não sai sem o namorado porque aprendeu que é “fofo” que ele não deixa. Sinto mesmo.
Mas da próxima vez que você quiser defender um sistema que só te proíbe de fazer as coisas, mesmo que você não veja, tenta usar argumentos melhores, gata. Ou então pensa melhor nos argumentos que você deu, pesquisa eles, e quem sabe você encontre que eles são a falácia, sozinha.

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