quarta-feira, 20 de maio de 2015

O poder da palavra ateísmo

Tem poucas palavras tão pesadas na língua portuguesa quanto a palavra ateísmo. Poderia até me arriscar e dizer que não é só no português (que não é só no Brasil), mas não me sinto confortável falando de culturas que não vivencio todos os dias.
                       
Apesar do que pode parecer, esse texto não é pra falar da opressão contra ateus. Ela existe e é clara, independente do que muitos possam dizer. Atos terríveis como assassinato e estupro ainda são associados – as vezes de “brincadeira”, as vezes de verdade – a “pessoas sem deus no coração”; é impossível não ver o olhos se arregalarem toda vez que você que te perguntam sua religião e você diz ser ateu; todos os “sempre achei que era uma pessoa tão boa”. O preconceito existe e eu jamais irei negá-lo, mas não é sobre isso que quero falar.
                       
Quero falar sobre como ateu se tornou muito mais do que diz o dicionário. Michaelis define o termo da seguinte maneira:

ateu a.teu sm (gr átheos) Indivíduo que não crê na existência de Deus; ateísta. fem: ateia. Antôn: deísta.
         
Simples e direto, ateu quer dizer nada mais e nada menos do que não acreditar em deus. Mas não é esse o significado que a palavra tem na sociedade hoje. E não quero dizer o “meu deus sem alma come criancinhas no jantar” que vem de algumas pessoas, quero dizer o lado projetado pelos próprios ateus.
                       
Todo, absolutamente todo grupo de pessoas que acredita e luta por algo, tem sempre um segmento que fala mais alto, e quando não consegue, grita, que acaba ditando pros de fora o que esse movimento quer. O ruim é que ele sempre diz isso de forma errada e mancha todos os ideais verdadeiros deste grupo.
                        
E é assim com ateus.
                        
Nunca fui uma pessoa que tem vergonha de dizer o que é. De falar o que eu acredito independente do que possam pensar. Que feminista não coleciona o rodar de olhos dos outros quando diz que é. Mas ateia foi um termo que demorei muito pra aceitar e fico sim com receio de dizer em voz alta. Em parte pelo preconceito, mas a maior parte pela imagem que a palavra ateu tem.
                        
Ser ateu não é como ser feminista. Não é um movimento social, não há uma ideologia a ser seguida, padrões a serem quebrados. Não é uma causa, é uma maneira de ser. Mas, como ateia, eu tenho certas crenças que gosto de expor. Acredito em países laicos – laico é diferente de ateu -, acredito que religiões foram as maiores causadoras de guerras e morte no mundo inteiro, acredito que consigo viver uma vida plena e feliz sem nenhum deus. Mas eu acredito também que a religião pode ajudar todos aqueles que acham que precisam, que há muitos que sentem a necessidade dessa crença para se sentirem completos, que ter uma religião para se apoiar foi o que tirou muitas pessoas da depressão.
                        
E não é isso que o mundo acha que ateus pensam. Porque a voz mais alta – não a maioria – é aquela que se porta como superior. Que se acha mais inteligente por não acreditar, que pinta todos os religiosos como descrentes em ciência. Que da risada das crenças e costumes dos outros por eles fazerem isso para um ser no qual eles não acreditam. Que faz piadas sem graça.
                        
Eu não quero ser essa pessoa. Não me acho melhor do que ninguém por ser ateia. Me acho melhor que racistas, me acho melhor que homofóbicos, me acho melhor que machistas. E eles podem ser religiosos. E podem também não ser. E mesmo que sejam e usem a religião como desculpa, ainda não me acho melhor que eles por ser ateia.
                        
Quando houve aquele ataque a revista francesa eu procurei ficar quieta. Porque eu abomino a violência, a ideia de “justiça” com as próprias mãos, a ideia de machucar em alguém como vingança e dizer que é justiça. Porque foi o que ocorreu. Os cartunistas atacados eram extremamente cruéis e desrespeitosos em seus quadrinhos quando o assunto era religião. Eram ateus? Não sei. E também não conheço tanto as obras deles. Mas o pouco que vi certamente se encaixa nesse grupo de ateus que descrevi. Isso não justifica, de maneira alguma, o atentado. Mas eles eram preconceituosos. Nada impede que fossem racistas ou machistas, não com o pensamento que expunham em seus desenhos.
                        
E é essa a imagem que pintam sobre as pessoas quando descobrem que elas são ateias. Aquela pessoa que vai revirar os olhos quando alguém ora, que vão exclamar que é besteira, que vão rebater grossamente dizendo que não acreditam quando alguém disser deus te abençoe.
                        
Eu não sou essa pessoa. Nunca quis ser essa pessoa. Tento ser o mais respeitosa  possível com meus amigos religiosos – a maioria – e acompanhar seus costumes, mesmo que não acredite.
                        
Sou ateia. Não com orgulho, nem com vergonha. E respeito infinitamente seu direito de seguir sua crença.

                        
Espero que  você veja além da imagem pintada pela sociedade e consiga respeitar o meu direito também.

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