Tem poucas palavras tão
pesadas na língua portuguesa quanto a palavra ateísmo. Poderia até me arriscar
e dizer que não é só no português (que não é só no Brasil), mas não me sinto
confortável falando de culturas que não vivencio todos os dias.
Apesar do que pode
parecer, esse texto não é pra falar da opressão contra ateus. Ela existe e é
clara, independente do que muitos possam dizer. Atos terríveis como assassinato
e estupro ainda são associados – as vezes de “brincadeira”, as vezes de verdade
– a “pessoas sem deus no coração”; é impossível não ver o olhos se arregalarem
toda vez que você que te perguntam sua religião e você diz ser ateu; todos os “sempre
achei que era uma pessoa tão boa”. O preconceito existe e eu jamais irei
negá-lo, mas não é sobre isso que quero falar.
ateu a.teu sm (gr átheos) Indivíduo que não crê na existência de Deus; ateísta. fem: ateia. Antôn: deísta.
Simples e direto, ateu quer dizer nada
mais e nada menos do que não acreditar em deus. Mas não é esse o significado
que a palavra tem na sociedade hoje. E não quero dizer o “meu deus sem alma
come criancinhas no jantar” que vem de algumas pessoas, quero dizer o lado projetado pelos próprios ateus.
Todo, absolutamente todo
grupo de pessoas que acredita e luta por algo, tem sempre um segmento que fala
mais alto, e quando não consegue, grita, que acaba ditando pros de fora o que
esse movimento quer. O ruim é que ele sempre diz isso de forma errada e mancha
todos os ideais verdadeiros deste grupo.
E é assim com ateus.
Nunca fui uma pessoa que
tem vergonha de dizer o que é. De falar o que eu acredito independente do que
possam pensar. Que feminista não coleciona o rodar de olhos dos outros quando
diz que é. Mas ateia foi um termo que demorei muito pra aceitar e fico sim com
receio de dizer em voz alta. Em parte pelo preconceito, mas a maior parte pela
imagem que a palavra ateu tem.
Ser ateu não é como ser
feminista. Não é um movimento social, não há uma ideologia a ser seguida,
padrões a serem quebrados. Não é uma causa, é uma maneira de ser. Mas, como
ateia, eu tenho certas crenças que
gosto de expor. Acredito em países laicos – laico é diferente de ateu -,
acredito que religiões foram as maiores causadoras de guerras e morte no mundo
inteiro, acredito que consigo viver uma vida plena e feliz sem nenhum deus. Mas
eu acredito também que a religião pode ajudar todos aqueles que acham que
precisam, que há muitos que sentem a necessidade dessa crença para se sentirem
completos, que ter uma religião para se apoiar foi o que tirou muitas pessoas
da depressão.
E não é isso que o mundo
acha que ateus pensam. Porque a voz mais alta – não a maioria – é aquela que se
porta como superior. Que se acha mais inteligente por não acreditar, que pinta
todos os religiosos como descrentes em ciência. Que da risada das crenças e
costumes dos outros por eles fazerem isso para um ser no qual eles não
acreditam. Que faz piadas sem graça.
Eu não quero ser essa
pessoa. Não me acho melhor do que ninguém por ser ateia. Me acho melhor que racistas,
me acho melhor que homofóbicos, me acho melhor que machistas. E eles podem ser
religiosos. E podem também não ser. E mesmo que sejam e usem a religião como
desculpa, ainda não me acho melhor que eles por ser ateia.
Quando houve aquele
ataque a revista francesa eu procurei ficar quieta. Porque eu abomino a violência, a ideia de “justiça” com as próprias mãos, a ideia de machucar em
alguém como vingança e dizer que é justiça. Porque foi o que ocorreu. Os
cartunistas atacados eram extremamente cruéis e desrespeitosos em seus
quadrinhos quando o assunto era religião. Eram ateus? Não sei. E também não
conheço tanto as obras deles. Mas o pouco que vi certamente se encaixa nesse
grupo de ateus que descrevi. Isso não justifica, de maneira alguma, o atentado.
Mas eles eram preconceituosos. Nada impede que fossem racistas ou machistas,
não com o pensamento que expunham em seus desenhos.
E é essa a imagem que
pintam sobre as pessoas quando descobrem que elas são ateias. Aquela pessoa que
vai revirar os olhos quando alguém ora, que vão exclamar que é besteira, que
vão rebater grossamente dizendo que não acreditam quando alguém disser deus te abençoe.
Eu não sou essa pessoa.
Nunca quis ser essa pessoa. Tento ser o mais respeitosa possível com meus amigos religiosos – a
maioria – e acompanhar seus costumes, mesmo que não acredite.
Sou ateia. Não com orgulho,
nem com vergonha. E respeito infinitamente seu direito de seguir sua crença.
Espero que você veja além da imagem pintada pela
sociedade e consiga respeitar o meu direito também.
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