quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

[Resenha] Fahrenheit 451


Este livro me foi uma completa surpresa. Não que eu não esperava que ele fosse bom – com tanta gente que me conhece recomendando eu já esperava isso -, mas ele é bom demais. E eu não achei que ele fosse ser tão bom.

A coisa com Fahrenheit 451 é que você tem de ler pra entender. Quero dizer, você precisa realmente ler. Precisa prestar atenção. Precisa confiar.

O livro nos apresenta uma premissa... “simples”, por assim dizer. Livros são proibidos. É isso que Ray propõe nos contar, um mundo onde os livros são objetos proibidos, ou seja, possuí-los é contra a lei. E você pode até começar a ler pensando que é  isso, e essa é a melhor parte do livro. Ele mostra que não é.

O livro é narrado na visão de Montag (Guy). Ele é um bombeiro. Mas, wow, pausa aqui: bombeiros nesse mundo não têm a mesma função. As casas, todas, possuem uma camada plástica anti-fogo e a função dos bombeiros é contrária, é queimar livros e casas de pessoas que possuam livros. Bombeiros não salvam, eles condenam.

E tudo está bem para Guy, ele gosta do que faz. Até que um dia ele conhece Clarisse, uma estranha menina que é sua vizinha e tem uma visão muito peculiar do mundo. Ela fala. O que na era do livro é algo raro, as pessoas não mais conversam, elas falam e falam coisas que no fundo nada querem dizer e elas nunca conversam. Mas não Clarisse. Clarisse conversa e vê o mundo diferente, ela vê beleza no orvalho das folhas e nas histórias de como era antigamente. E ela não é aquela personagem esperada que fez Guy se interessar por livros porque ela lê. Porque ela não lê. A leitura já era proibida muito antes de seu nascimento, e ela não sabe como eles eram, mas ele vê tudo de outra forma. E Montag se vê preso nessa linha de raciocínio dela, pois de repente ela é a única pessoa à sua volta que pensa e faz sentido.

E ele começa a notar como tudo a sua volta é fútil e desnecessário. Como as grandes paredes (confesso que ainda estou meio confusa quanto isso, mas imagino que ele fale de uma tecnologia que permite que paredes transmitam imagens, como uma TV) nada são além de nada, de palavras e frases vazias que duravam menos de um minuto porque o mundo é frenético e não tem tempo a perder com descrições e detalhes. É só um monte de nada. Que diz nada.

E é inevitável você ler um livro como esses e não pensar nos dias de hoje. Ligamos a TV e o que mais vemos são notícias do BBB. Notícias vazias, de pessoas vazias com histórias que em nada farão diferença. São coisas de minuto, coisas passageiras, pois ninguém mais se interessa por coisas que durem. Queremos agora, imediatamente, não a longo prazo. Queremos nada.

E isso o muda drasticamente, porque ele passa a pensar. E a sentir. E ele não pode, porque bombeiros não podem pensar no que suas vítimas sentem, eles não podemsentir. Eles têm de queimar e cumprir ordens, pois eles só pudem aqueles que que foram contra a lei. Mas Montag mudou. Porque, afinal de contas, aquelas pessoas mereciam aquilo? Seria realmente o ato de ler tão repudiável? Aliás, por que elas liam se sabiam que seriam punidos?

E ele de repente se vê num dia normal, em uma casa cheia de livros, tendo de queimá-la. E ele não pode se impedir de surrupiar um livro e escondê-lo sob o casaco. A mulher é tão obcecada, seus olhos são tão fortes, sua determinação é tanta quando ela mesma queima a casa e fica lá dentro, pronta para morrer com seus livros, que Guy precisa entender porquê.

E mesmo sem ler o livro, quando ele chega em casa e vê sua mulher vivendo a mesma vida fútil de sempre, ele sabe que nunca voltará ao que era antes. E é aí que ele descobre: Clarisse morreu. Numa coisa tão “simples” (se é que podemos chamar esse tipo de coisa de simples) como um acidente de carro. E ele não entende, porque, como uma pessoa tão boa e diferente e justamente o que o mundo precisa simplesmente morre? E de maneira tão banal?

E na manhã seguinte ele está péssimo e seu superior vem lhe dar "a conversa". A conversa que todos os bombeiros eventualmente precisam sobre a proibição dos livros.

E essa foi, sem dúvidas, minha parte preferida do livro. Em seu relato interminável, Beatty (o chefe de Montag) chega a um ponto sobre por que os livros são proibidos. "A coisa não veio do governo. Não houve nenhum decreto, nenhuma declaração, nenhuma censura, como ponto de partida." E não é isso e absolutamente isso que estamos vivendo hoje? As pessoas dispensam o ato de ler, elas não se interessam mais, elas veem livros como coisas velhas.

E isso demarca o ponto em que Montag resolve mudar. Mudar de vez. Sem volta. E para isso ele corre atrás de um senhor que conheceu há anos e tenta entender a apelação daquelas páginas escritas.

E ele finalmente entende. E isso, essa parte, ler essa transformação, é incrível. É como ver a metamorfose de uma borboleta, o crescer acelerado de uma planta. É mágico.

E isso demarca o ponto do livro (literalmente, há uma divisão de partes), em que ele resolve agir. Como era de se esperar, não da melhor maneira. Ele estraga seu disfarce frente a sua mulheres amigas de sua mulher e não demora muito para que ele seja o alvo de pessoas que são como ele mesmo costumava ser. Mas ele foge, e procura por Faber, aquele senhor que o ajudou a entender. E ainda como fugitivo, seguindo as coordenadas de Faber, ele encontra um grupo.

E honestamente, que grupo fascinante. Eles guardam livros. Sim, eles os guardam, na memória. Que queimem os livros, oras, nós os lemos e os lembramos e conosco eles serão eternos. Isto não é brilhante?

Sim, é. Ao menos pra mim. E juntos eles são um pequeno grupo que sabe dezenas de livros, e que conhece mais grupos que sabem, cada um, dezenas de outros livros. E eles vivem para, um dia, colocar as ideias de volta no papel, palavra por palavra, e trazer de volta a esperança dos livros.

E mesmo que o livro nos deixe sem saber como será o futuro, nós fechamos a capa com satisfação. Foi uma perfeita viagem ao mundo do terror (livros são proibidos!) com a mais perfeita explicação de como será se deixarmos que os livros acabem. E não deixaremos.

Então, aqui fica minha recomendação: leiam Fahrenheit 451.

Boa leitura.

Um comentário:

  1. Adorei sua resenha! Lógico que já tinha ouvido falar - e muito bem - de Fahrenheit 451, mas nunca da forma que você colocou. Foi o suficiente para me fazer ficar com muita, muita vontade mesmo de ler este livro o mais rápido possível!!

    http://vivalivros.blogspot.com.br/

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