quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Sobre as "ditaduras capilares"

Sei que ando bem sumida e garanto que não é por falta de assunto, pelo contrário. Mas me bateu uma inspiração para falar sobre ste assunto especificamente e resolvi falar logo antes que eu esqueça completamente o que eu tinha pra dizer.

Pra quem não sabe, em abril desse ano eu fiz o que a galera chama de “Big Chopp”. Não sabia que tinha nome pra isso, na época, mas fiz. Basicamente BC é quando você tem química no seu cabelo (progressiva/relaxamento) e resolve cortar fora toda a parte que ainda tem química e ficar com o cabelo natural. Algumas meninas passam pela transição capilar antes disso – deixam o cabelo crescer totalmente e vão cortando as pontas até tirar tudo – outras cortam ele bem curtinho mesmo e outras, como eu, cortam ele já com alguns centímetros de natural.

Contei tudo isso pra explicar que desde que “assumi meus cachos” eu passei a seguir diversos canais do youtube sobre cuidado com cabelos naturais do tipo 3 e tipo 4 (cacheados e crespos), porque o meu transita entre os dois.

Antes de prosseguir quero declarar aqui que: quando eu decidi cortar (por um série de motivos que posso falar sobre mais pra frente), eu estava com medo de como seria o meu cabelo natural porque eu não conhecia ele (fazia relaxamento desde muito nova e só saí dele quando entrei na progressiva), então me pareceu uma boa ideia ir ao Beleza Natural, um salão especializado onde eles tem um “relaxamento” que serve para definir seus cachos. Em palavras mais claras: QUÍMICA. Igual a progressiva que eu fui lá e cortei fora. Pois é.

O que eu quero falar com vocês tem um pouco a ver com isso. Como eu disse eu sigo vários canais de cabelo e a minha Youtubues favorita quando o assunto é cachos é a Mari Morena. Aí um dia tava no canal dela e vi um vídeo em que ela falava sobre uma briga que tava rolando no youtube entre meninas cacheadas sobre se elas deveriam ou não fazer um “relaxamento” semelhante ao que mencionei.

A Mari, como quase sempre acontece, levantou uma opinião igual a minha (após eu repensar e me arrepender do relaxamento): a sociedade meio que impõe nas mulheres a ditadura do cabelo liso. Iisso quer dizer que se você não tiver cabelo liso, você pode não conseguir um emprego, vai ser tachada de feia (ou então ouvir aquele famoso “nossa mas por que você não arruma esse cabelo”, como se cabelo arrumado = cabelo alisado) e etc etc etc. E isso é 100% verdade. Aí ela levanta uma questão muito importante: quando a gente assume o cabelo natural, a gente está quebrando essa ditadura. Aí o que a pessoa faz? Vai lá e “relaxa” o cabelo. Por quê? Porque o cabelo cacheado está começando a ser aceito, mas só se ele for “perfeito”. Tem que ser aquele tipo específico de cacho, senão não está bom. E a Mari chamou isso de “ditadura do cacho perfeito”.

Agora, pausa! Guarda essa informação que eu vou usar ela mais pra frente. Presta atenção no próximo relato:

Ainda sobre este assunto, meses depois, eu vi um vídeo da Natália Cassilo sobre o mesmo assunto. E para a minha surpresa... ela pensava diferente? Eu não vi nenhum vídeo que rolou na tal briga, só o da Mari, então eu não tava por dentro de qual era a “opinião contrária”. Aí eu vi o da Naty e ela fala sobre como ela sente que as meninas que assumem o natural colocam uma baita pressão nas meninas que não assumem, ou que assumem mas fazem relaxamento, para parar com isso e assumir de vez. Ela não concorda com essa abordagem porque a pessoa tem que fazer o que faz ela mesma se sentir bem, e se um relaxamento faz isso, então ótimo. Até aí, tanto quanto ao se sentir bem, quanto a pressão que algumas meninas fazem, eu concordo. Só que aí ela me joga que ela está vendo uma “ditadura do cabelo natural”.

Agora vamos resgatar lá em cima e comparar. Mari e Naty – ambas as quais eu ADORO, não estou querendo dizer que uma melhor que a outra porque NÃO, parou com essa coisa de mulher x mulher – falaram sobre lados opostos de uma “luta” e ambas usaram o mesmo termo, Mari disse “ditadura do cacho perfeito” e Naty disse “ditadura do cabelo natural”.

E eu preciso falar sobre isso. Eu preciso falar sobre como o sistema é tão poderoso que pode causa essa dicotomia que simplesmente não existe. Sobre como não pode haver ditadura dos dois lados, porque se tem ditadura, tem um opressor e um oprimido, ponto. “Se você não for cuidadoso, os jornais terão você odiando as pessoas que estão sendo oprimidas e amando as que estão oprimindo”, já disse Malcolm X.

Quando a gente fala em “ditadura do cacho perfeito” a gente fala em uma construção social que só te aceita se você tiver cabelo liso, mas que aprendeu a te aceitar se o seu cacho for o cacho certo. A gente fala de uma sociedade que não contrata mulheres de cabelo crespo porque “não é profissional”. A gente fala de uma sociedade em que um chefe olha pra uma mulher de Black Power e pergunta “por que você não faz uma chapinha? Quer que eu pague?”. A gente fala de uma sociedade que chama o “cacho errado” de feio, de mal arrumado, de cabelo ruim. A gente fala de uma sociedade opressora e de uma pessoa oprimida.

Quando a gente fala em “ditadura do cabelo natural” a gente fala em mulheres que ouvem todos os dias que “ah, liso fica mais bonito” e que, cansadas disso, pedem (às vezes de forma bruta e errada) que as irmãs se unam a ela nessa luta contra o sistema. Não existe um sistema mandando as mulheres voltarem ao natural, pelo contrário, existe um sistema que recompensa as mulheres que fazem o relaxamento. Existe um sistema, muito bem articulado, que faz as mulheres que buscam essa alternativa se sentirem bem – ah, mas eu faço por mim, porque eu me sinto bem – e acharem que as meninas naturais são “chatas e opressoras”. Mas como elas podem ser opressoras, se você ouve que teu cabelo está lindo, e elas ouvem que o delas está bagunçado? Que ditadura é essa?

Não é.

A necessidade de que as mulheres abandonem os padrões e se aceitem existe porque enquanto existirem mulheres que aceitem os padrões ridículos e racistas da sociedade, a sociedade nunca vai aceitar quem não se encaixa nesse padrão. É simples. E a sociedade faz você achar que você segue esses padrões por você, mas é mesmo? Claro que você se sente bem, mas você se sente bem porque: você se identifica com o que é representado na TV, você é elogiada, você não é descartada profissionalmente pelo seu visual. Você se sente bem, porque a sociedade te recompensa por pensar somente dentro da sua bolha. A sociedade te privilegia por seguir as regras que ela dita.

Amiga, se do fundo do seu coração você quer ter o “cacho perfeito” ou o cabelo liso, então vá em frente. Mas pensa. Pensa de verdade. É realmente por você? Ou é pelos sorrisos e elogios?

Não joga a culpa nas meninas naturais. Elas estão lá, lutando contra um sistema – mesmo que esse não seja o objetivo delas, só de estar naturais elas já estão fazendo isso – e elas só querem mais aliadas porque senão elas nunca vão ganhar.

Não deixa o sistema mandar em você. Ame-se.


E lembre-se: não da pra existir ditadura do oprimido. Sai dessa.

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